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BAIÃO CANAL - Jornal

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MARIA ODETE SOUTO | No rescaldo das eleições

Odete Souto

Já não sou eleitora em Baião e, pela primeira vez, engrossei os números da abstenção. Em 47 anos de Democracia é a primeira vez que me demiti de exercer este direito. Somos circunstâncias e as minhas levaram-me a ponderar e achar ser inadequado fazer cerca de 800 Km (ida e volta) para exercer o direito de voto, ainda para mais, para votar em pessoas e projetos que desconhecia. Por isso, e só por isso, não votei.

No entanto, sendo o voto um direito que custou tanto a conquistar, parece-me, também, um dever, em nome da Democracia e em nome de quantos e quantas deram a vida pela conquista deste e doutros direitos. E interrogo-me sobre a elevada taxa de abstenção, os motivos que levam tantos cidadãos e tantas cidadãs a demitirem-se de participar. E preocupa-me muito esta demissão, como me preocupa a falta de debate político sério. Quando assisto a debates na Assembleia da República, aquela que é a casa da Democracia, coro de vergonha pelo desrespeito e a falta de decoro de grande parte dos deputados. A Política é uma atividade nobre, se vivida e praticada com nobreza.

Quando paro para refletir sobre esta realidade, este alheamento da política e da participação ativas, nas eleições e não só, parece-me que as razões são complexas. Desde logo, a falta de líderes credíveis, o descrédito na política partidária, a mediocridade, a corrupção, o compadrio, os interesses instalados e as dependências económicas e financeiras. E o medo. E os bufos que espeitam por todo o lado e que se sujeitam a papéis que fazem lembrar o tempo da “antiga senhora”. E o espírito de submissão. E a falta de palavra. E a pobreza. De espírito, de cultura e económica. E preocupa-me esta situação, pese embora o facto de estar no outono da vida.

Parece-me que a minha geração tem muitas responsabilidades. Por um lado, criou “meninos de ouro”, príncipes, sem lhes passar as experiências vividas, medonhas em alguns casos. Crescemos muito rapidamente em termos económicos, mas a cultura não acompanhou este crescimento.

Além disso, não posso deixar de pensar que há razões bem mais profundas que nós fomos esquecendo de questionar e que nos conduziram aqui, nomeadamente a escola e o currículo escolar. Pergunto-me, por exemplo, quantas pessoas conhecem a Constituição da República Portuguesa? Ou quantas leram os escritores clássicos? Ou conhecem a Declaração Universal dos Direitos Humanos ou a Convenção dos Direitos da Criança? E sim, a iliteracia e a incultura são grandes. E isso não ajuda.

Paulatinamente e ao longo de décadas, foram-se retirando do currículo escolar, disciplinas fundamentais. Por exemplo, a Filosofia ou a Introdução à Política, a Psicologia, a Sociologia... E foi-se aceitando que isto seriam saberes secundários. E foi-se esquecendo que é fundamental refletir, pensar, construir o seu próprio conhecimento, pois só isto é libertador. Fomos formatando… E chegamos aqui.

Além disso, temos uma comunicação social péssima e as redes sociais, com o imediatismo que têm, retiram qualquer tempo e lugar para o pensamento e para leitura. Passamos a “googlar” e buscar, sem crítica e sem análise de qualquer tipo.

Não sei que caminho isto leva. A desilusão que paira nos rostos do cidadão comum ao ouvir e ver a incompetência do Estado em muitas situações, a precarização do trabalho e a luta pela sobrevivência a qualquer preço, a falta de perspetivas de grande parte dos e das jovens não auguram grande futuro. Mas o futuro faz-se hoje, aqui, já, e, por isso, é tempo de fazer acontecer.

É preciso manter a esperança, sem espera. É preciso arrojar, na escola como na vida, e tentar inverter este caminho. E, porque não, repensar os currículos e repensar o sistema. E não estou a falar só do sistema educativo.

Façamos acontecer.

 

Maria Odete Souto

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